"A cabeça pensa onde os pés pisam" Paulo Freire

sábado, 31 de julho de 2010

Eleições Brasil 2010 - "Ficha Limpa" legitima criminalização dos movimentos sociais

Aldo Santos é Ficha Limpa e vítima da criminalização dos movimentos sociais

No dia 26 de julho, a Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo decidiu pedir a impugnação da candidatura de Aldo Santos, que concorre pelo PSOL ao cargo de vice-governador de São Paulo, recorrendo a lei da “Ficha Limpa”. Trata-se de uma aplicação equivocada da lei. Não pesa contra Aldo Santos nenhuma suspeita de corrupção. Os motivos pelos quais buscam impedi-lo de concorrer são de outra ordem: Aldo é acusado de usar seu mandato como vereador em São Bernardo do Campo para dar apoio ao Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) em 2003, na ocupação de um terreno por 7 mil pessoas que reivindicavam condições dignas de moradia.

O PSOL é um partido pautado pela ética. Desde sua criação, esteve a frente de todas as lutas contra a corrupção, defendeu a cassação de Sarney e Renan Calheiros e o impeachment dos governadores José Roberto Arruda e Yeda Crusius. Defensor da lei do “Ficha Limpa” desde o início, o PSOL levou sua militância às ruas para coletar assinaturas pela aprovação do projeto.

Nesse caso, porém, há uma clara inversão: a lei da “Ficha Limpa”, que deveria servir para barrar a candidatura de corruptos, foi desvirtuada de forma a reforçar a crescente criminalização dos movimentos sociais. Por isso, o PSOL recorrerá da decisão e manterá a candidatura de Aldo Santos a vice-governador. Sua trajetória de luta ao lado dos movimentos sociais é motivo de orgulho para nosso Partido.

Coordenação da Campanha Estadual do PSOL SP

terça-feira, 27 de julho de 2010

Completa 1 ano o golpe em Honduras!


O Golpe em Honduras compleou 1 ano nesse mês de julho, mas não há nada o que comemorar. Já foram contabilizados 1200 mortos em conflitos e mesmo sem conflito. Enquanto isso Hilary Clinton viaja pelos países latinoamericanos pedindo que se reconheça o governo golpista.
Para mais informações:

Adeus Caracas, olá Barinas

Depois de quase um mês além do previsto em Caracas, nos despedimos e partimos para Barinas.

Conseguimos uma carona com uma excursão de estudantes da área de saúde, que iria para Barinas na Universidade Ezequiel Zamora. Chegando a Barinas ligamos para o nosso contato por lá, o professor Fredi Castillo. Da Universidade fomos ao terminal rodoviário, e de lá para a casa dos pais de Fredi.

Logo ao chegarmos, ficamos por horas conversando, perguntando, e tentando explicar o objetivo da nossa viagem. Castire, um garoto que vive na casa da “abuela” Teodolinda e do “abuelo” Marcelino, em meio a conversa tentou definir o objetivo da nossa viagem como: "em busca da verdade". Eu achei interessante, mas corrigiria para "em busca de outra verdade" ou "em busca da verdade do povo", algo assim.



La masquei pela primeira vez tabaco (e fiquei meio bêbado), fizemos bons amigos e ótimos contatos que nos ajudariam com o nosso objetivo, além de sermos tratados como membros da família. Dentre os amigos, conhecemos o professor Nelson Castillo, irmão de Fredi.

Nesse momento estávamos muito mal de grana. Isso porque, na inocência, emprestamos BsF$390,00 a um motorista da UBV que ficou muito amigo nosso, e até agora não nos pagou. Porém, nossa nova família não nos deixou gastar um real enquanto estivemos hospedados lá.

Já no nosso segundo dia na casa, saímos com Omar, pai de Castire, e que passa grande parte do seu tempo nessa casa, lendo jornal, mascando tabaco e debatendo politica, para conhecer um pouco de Barinas. Fomos até a Assembleia Municipal tentar pegar algum material e fazer alguns contatos, mas sem muito sucesso. Logo em seguida fomos conhecer a sede do poder estadual. Nos deixaram entrar, mesmo de bermuda e chinelo. Lá estava ocorrendo uma cerimonia em que o governador do estado de Barinas entregava créditos para as cooperativas de pequenos agricultores do estado. Depois de suportar muito calor, já que o ar condicionado estava quebrado, conseguimos assistir a cerimonia até o final. Omar então nos chamou para que nos aproximássemos do palco e enquanto o governador saia do auditório, ele nos apresentou: "governador, aqui estão dois embaixadores brasileiros que vieram conhecer o processo revolucionário. Foi então que com um "bien venidos" e um "adelante", fomos apresentados ao governador Adan Chávez Frias, irmão do presidente Hugo Chávez Rafael Frias.

Para muito além do fetiche de que pode ter o fato de apertar a mão de um governador, ainda mais sendo irmão do presidente Chávez, achei esse fato muito, pois no Brasil qual seria a chance de uma pessoa, quanto mais um estrangeiro desconhecido, chegar perto de um governador e apertar sua mão, se não for em período de campanha ou se eu fosse uma criança de colo? Omar nos disse que isso é comum por aqui e demostra o quanto os governantes revolucionários estão dispostos a estar perto do povo.

Ao sair de lá, graças a simpatia de Omar, conhecemos na rua uma garota da Missão Cultura que nos convidou a participar de uma intervenção cultural em semáforos para incentivar a leitura. Enquanto o semáforo estava vermelho, liamos em frente aos carros. Foi divertido.

Depois de um dia bem agitado, conhecemos alguns netos da família, com quem jogamos baralho. Ensinamos truco e aprendemos um jogo chamado caída. O Daniel pretende difundi-lo no Brasil.

No dia seguinte fomos levados por Pavón, outro senhor que está todo o tempo na casa, em um estádio de beisebol, mas não para ver algum jogo, se não para conhecer o “Peloteiro”, responsável por atividades esportivas na cidade e quem é amigo de infância do presidente Chávez. Por alguns minutos nos contou histórias de sua juventude em que jogava beisebol com Chávez. Disse que ele era o melhor do time.

Pela noite fizemos a correria do dinheiro que o motorista da UBV nos devia porque ele começava a nos fazer falta. Mas sem sucesso. Cada vez mais parece que não veremos mais esse dinheiro.

Fomos convidados por Nelson a passar o fim de semana em Santa Catalina, um povoado no interior de Barinas e fomos.

Fomos até a sua casa em Pedraza conhecer a sua família,tomar umas cervejas e dormir para partirmos cedo a Santa Catalina.





Em Santa Catalina fomos à uma escola rural, onde os alunos de Nelson na UBV iriam apresentar os seus projetos de extensão de conclusão de curso. Ao contrário do que estamos acostumados, Nelson fez questão de que na banca não estivessem somente professores, senão membros da comunidade e que o trabalho fosse apresentado na própria comunidade e não na universidade entre quatro paredes.




Depois da apresentação fomos a um churrasco regado a rum, música e dança.


Depois de alguns dias de lazer, indo ao rio e jogando futebol com os filhos de Nelson, fomos com ele ao Instituto Agroecológico Latino Americano (IALA) Paulo Freire, aonde ele dá aulas. O IALA é uma escola de ensino superior em agroecologia da Via Campesina, onde estão presentes estudantes de diversos países do continente, como Venezuela, Brasil, Paraguai, Colômbia, Nicarágua, Equador, etc. e de diversos movimentos sociais.


Ficamos mais alguns dias na casa de Nelson e dentre as coisas que fizemos, escutamos músicas, principalmente de Ali Primeira, um cantor que morreu na década de 1970 e que fazia músicas de protestos, morreu no esquecimento, mas hoje é a grande referência da música venezuelana por considerarem que fala de muita coisa que viveram e que vivem hoje com a revolução bolivariana. Dentre as músicas que escutamos, ouvi um trecho de uma que me chamou muito a atenção e que dizia: "a inocência não mata as pessoas, mas tão pouco as salva". Aconselho que procurem músicas dele.

No dia 2 de maio fomos até uma escola de Pedraza, onde estava ocorrendo eleições internas no Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) para os candidatos a deputados. Para essa eleição o PSUV determinou que não se podia fazer campanha com publicidade, mas sim através de reuniões e de conversar. Isso para que os candidatos com mais dinheiro não fossem favorecidos em relação aos que não têm. A única publicidade que podiam fazer era passar de porta em porta para falar e suas propostas e intenções. O PSUV conta hoje com cerca de 7 milhões de filiados, cerca de 25% da população venezuelana.

No dia 3 voltamos a Barinas e nos despedimos na nossa nova família para seguir rumo a temida Colômbia.

domingo, 25 de julho de 2010

O Holocausto Colombiano

Comparável ao holocausto nazista


La Macarena está a 200 quilômetros ao sul de Bogotá, uma das zonas mais quentes do conflito colombiano. Os cadáveres “NN” têm sido enterrados sem identificação pelo exército onde suas forças de elite estão presentes. Depositados atrás do cemitério local com 2000 cadáveres enterrados sem nome.

Trata-se do maior cemitério de vitimas de um conflito que se tenha notícia no continente. Pode-se compará-lo ao Holocausto Nazista ou a barbárie do Pol Pot no Camboja para encontrar algum exemplo a sua dimensão.

O jurista Jairo Ramírez é o secretário do Comitê Permanente pela Defesa dos Direitos Humanos na Colômbia e acompanhou uma delegação de parlamentares ingleses ao lugar quando se começou a descobrir a magnitude da foça de La Macarena. “O que vimos foi horrível”, declarou publicamente. “Infinidades de corpos e na superfície centenas de placas de madeira de cor branca com uma inscrição NN e com datas de 2005 até hoje”.


Ramírez adiciona: “o comandante do exército dos disse que eram guerrilheiros dados como mortos em combate, mas os moradores da região nos falaram de muitos líderes sociais, camponeses, defensores comunitários que desapareceram sem deixar rastros”.


Preparação para a audiência pública

Com a audiência pública com data para o dia 22 de julho se pretende torar público o grande conflito social, político e armado que persiste na região e que as comunidades do Bajo Ariari têm sido testemunha dos mais horríveis crimes das últimas décadas. Desde a aplicação do chamado Plan Colombia há 9 anos, tem-se evidenciado uma massiva, sistemática e persistente perseguição contra as comunidades e seus líderes sociais, comunitários e defensores dos direitos humanos. O Coletivo denuncia “execuções extrajudiciais, contínuos atropelos por parte dos membros da força pública, a reorganização das estruturas paramilitares e o abandono estatal, expressado pelo baixos investimentos sociais às comunidades, como se pode ver nas distintas Missões Humanitárias e de acompanhamento na região de Bajo Ariari”.

A audiência pública busca tornar público a nível nacional e internacional a grave situação humanitária em que vivem os camponeses e camponesas a partir da execução de diferentes planos de recuperação de território por parte do governo, tais como o Plan Colombia, Plan Patriota, Plan Victoria e atualmente o Plan de Consolidación Integral de la Macarena –PCIM- todos no marco da chamada “política de seguridad democrática”.

Por sua vez, busca denunciar a responsabilidade do Estado frente aos corpos que foram encontrados na foça comum de La Macarena, enterrados como guerrilheiros dados como mortos m combate e aonde possivelmente se encontre vitimas de desaparição forçada e de execuções extrajudiciais. Tambem busca adotar medidas de proteção aos defensores dos direitos humanos nessa zona.

Para isso vão solicitar às Nações Unidas a continuação de todo o processo de denúncia que as organizações da região estão realizando.

A audiência pública convidará os camponeses e as camponesas, as vitimas da região, as instituições civis do Estado, organizações sociais colombianas, Nações Unidas, União Européia, agencias de cooperação, embaixadas e plataformas colombianas.

A proposta é desenvolver a audiência no formato de audiências que tem feito a senadora Gloria Inés Ramírez, impulsionada desde a Comissão de Paz do Senado da República e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, a qual teria várias vantagens: se trasitirá em canal de TV do congresso, a audiência estará acompanhada pelo sistema das Nações Unidas, gerando uma cadeia de proteção a todos os assistentes da mesma. Se dará continuidade a todas as denuncias apresentadas na audiência, desde a Comissão de Paz do Senado através da responsabilidade da Senadora Gloria Inés Ramírez.


Mais de mil foças em todo o país

O horror de La Macarena tem posto em existência mais de mil foças comuns com cadáveres sem identificação na Colômbia. Até finais do ano passado, havia se encontrado cerca de 2500 cadáveres, dos quais foi possível identificar cerca de 600 e entregar os corpos aos familiares.

A localização desses cemitérios clandestinos tem sido possível graças as declarações em versão livre de mandatários médios e afastados do paramilitarismo e o “sucesso” da controvertida Lei de Justiça e Paz que garante uma pena simbólica em troca da confissão de crimes.

Entre essas declarações, a de John Jairo Rentería, conhecido como Betún, quem revelou ante o fiscal e os familiares das vítimas que eles e outros enterraram “pelo menos 800 pessoas” na finca Villa Sandra, em Puerto Asís, região do Putumayo. "Havia que desmembrar a pessoas. Todos tinham que aprender e isso foi feito muitas vezes gente viva”.


"O Governo não quer investigar", diz Alfredo Molano, Sociólogo e escritor



Alfredo Molano, um dos colunistas mais influentes da Colômbia, percorria o país para denunciar a violência, o que o obrigou a fugir a um exílio para escapar da ameaças militares e paramilitares.

- Qual é a situação das foças na Colômbia?

A própria Procuradoria Geral da Nação fala de 25.000 “desaparecidos”, que em algum lugar tem que estar. Existem cemitérios clandestinos enormes na Colômbia. Existe gente apagada. Também é possível que se tenha desaparecido muitos restos como nos fornos crematórios dos nazistas.

-Essas foças têm os chamados “falsos positivos”?

Sim. Tudo isso pode estar relacionado com os “falsos positivos” (colombianos civis assassinados que se apresentava como “mortos em combate”). Boa parte deles encontram-se em foças comuns.

- Qual pode ser a magnitude desses resultados das foças?

Terrível. Nem nos anos cinquenta houve na Colômbia tanta brutalidade como as demonstradas pelas ações dos paramilitares, mas o governo não tem vontade de investigá-las profundamente e quer abandoná-las.


As absurdas explicações oficiais

Com toda tranquilidade o Ministério da Defesa disse que nas foças comuns estão os restos de vítimas da guerrilha da zona de Caguán. Explicação desmentida com facilidade porque as tumbas, como já se sabe, têm letreiros de madeira onde aparecem as datas desde 2004, quando já não havia mais presença guerrilheira, mas já estava ocupada pela Fuerza Omega, que diante do Plan Patriota e a luta contrainsurgente. Ainda que o comandante da base militar em La Macarena disse, quando foi perguntado pelos britânicos, que “são guerrilheiros dados como mortos em combate com o exército”, versão difícil de se acreditar, porque “as pessoas da região nos disseram de múltiplos líderes sociais, camponeses e defensores comunitários que desapareceram sem deixar rastros”, disse Jairo Ramírez.

Segundo a declaração dos sepultamentos de La Macarena, “os cadáveres são trazidos em helicópteros do exército deixados no cemitérios; a única coisa que podíamos fazer era sepultá-los em foças como N.N.”.

Perdeu-se toda a capacidade de aterrorizar a população com esse quadro porque se creia que na Colômbia havia se chegado ao limite do horror com a confissão dos paramilitares nas audiências de Justiça e Paz, onde reconhecem a existência de foças comuns com centenas de cadáveres e suas vítimas. “Essa já é a gota d’água. É uma espécie de recorde do livro dos recordes”, disse o porta-voz de uma ONG humanitária colombiana.

A existência da enorme foça comum em La Macarena, dos quais não se tem ocupado os meios de comunicação, dedicados a cultivar a expectativa e o jogo de adivinhação sobre o que iria passar com o referendo de reeleição na Venezuela, assim como a estúpida campanha contra Chávez e a Revolução Bolivariana, volta-se às raízes do informe Human Rights Watch, divulgado na semana passada e que alfinetou o governo colombiano como sempre. Também pela visita de uma delegação parlamentaria do Estado espanhol, que esteve nos últimos dias na Colômbia e reconheceu a gravidade da situação de direitos humanos.

Segundo o que tem dito as fontes judiciais e os organismos de controle, depois de março se iniciará a investigação sobre as foças comuns de La Macarena. Ainda que na verdade todo o território colombiano esteja cheio de foças comuns da barbárie de paramilitares, dedicados a desaparecer e assassinar camponeses e dirigentes populares acusados de colaborar com a guerrilha. É parte do holocausto colombiano, ainda em curso e sem final, perpetuado por uma força irregular promovida pelo Estado e patrocinada por dirigentes políticos e empresários “parapolíticos”, que ainda defendem a ação contra esses grupos, porque “foi a reação aos crimes da guerrilha”, segundo a visão oficial nos tempos da “seguridade democrática”. Nas palavras do coronel Plazas Veja ante o massacre do Palácio da Justiça: “Estão defendendo a democracia, mestre!”.


*Recebi essa reportagem por e-mail e as traduzi, mas desconheço o autor e aonde foi publicada.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Equador: a terra dos sorrisos

A chegada

Logo quando chegamos ao Equador nos surpreendemos com a tamanha preocupação das pessoas em nos ajudar. Da mulher que nos perguntou para onde queríamos ir sem mesmo perguntarmos e que nos ofereceu morangos, até a mulher que nos emprestou o celular para ligarmos ao amigo do meu irmão que nos receberia.

Mais do que surpreendido com a ótima recepção, nos surpreendeu o fato de todos os equatorianos parecerem estar sempre sorrindo. Seria porque não têm problemas? Ou seria porque estão finalmente conseguindo resolver seus problemas? Era isso que queríamos descobrir já antes de cruzar a fronteira.

A história do Equador era um mistério para nós. Por falta de estudos é claro. Mas tínhamos impressões do que seria o Equador, principalmente por ter lido e ouvido falar de Rafael Correa, já no Brasil, mas principalmente na Venezuela pela TeleSur.

Queríamos entender o que se passava nesse pequeno país, mas é claro que para conseguir compreender toda complexidade do que se passa no Equador hoje seria necessário conhecer a sua historia com profundidade, já que entender um pouco dos 10 anos de século XXI já foi um tanto quanto complicado. Mas acredito ter sido possível durante esses 40 dias ter pelo menos uma impressão da correlação de forças e das forças políticas em um contexto nacional.

Daniel estudando

Assim como todos os países do nosso sul-continente, o Equador passou por um período turbulento de reformas neoliberais. Em seu caso, mais diretamente, foram vítimas da entrada de mineradoras e empresas de pescas transnacionais, além da invasão de redes de fast-food, como Mc Donald, Burger King, KFC, etc., também comum em todos os grandes centros urbanos dos países que sofreram esse processo de abertura para o capital estrangeiro. A entrega foi tão grande que os governos não foram capazes de controlar o processo inflacionário até que em 2000 se apelou para a dolarização.

Porém, essas reformas não foram nem um pouco bem aceitas pelos trabalhadores, que com muita luta e pouca violência derrubaram cerca de 4 presidentes, além de forçar a saída de outros, em menos de 20 anos, insatisfeitos também com toda a corrupção com que se coordenou essas reformas. Lucio Gutierrez, o último deles, derrubado em 20 de abril de 2005, representou a gota d’água da mesmice.

Assembléia Nacional - Quito

A onda de insatisfação com os políticos tradicionais se tornava cada vez maior. Mas dentro de toda essa confusão, surgia um jovem economista e professor universitário na cena e que não tinha uma carreira política, mas que havia sido Ministro da Economia e obtido muito sucesso com sua equipe na investigação das origens da dívida externa equatoriana, concluindo que ela já havia sido paga e, portanto, estavam pagando mais do que deveriam (não pensem que podemos fazer o mesmo no Brasil, já que o nosso governo transformou nossa dívida externa em dívida interna, tornando uma investigação com final feliz para nós muito pouco provável).

Representando algo diferente da velha classe política corrupta, o jovem economista, muito simpático, sorridente e extrovertido, e com um projeto de transformação radical, Rafael Correa Delgado conseguiu o apoio de quase todos os setores populares e organizações de esquerda e chegou ao poder em 2007.

Mudanças começaram a se desenhar. Uma nova constituição que defendia o direito dos trabalhadores, o respeito à água e a natureza, o respeito às diferentes culturas e nacionalidades no Equador, etc., foi criada já em 2008, depois da Assembleia Constituinte no final de 2007. Empresas que desrespeitavam as leis eram punidas. Corruptos que antes viviam impunes foram presos. O Equador se tornou membro da ALBA. Hospitais e escolas foram construídos.

Baseado na teoria do “Socialismo do Século XXI”, logo se chamou todo esse processo de Revolução Cidadã. Slogans do governo repetiam constantemente que “la revolución ciudadana ya esta en marcha”, “la pátria ya es de todos” e que “machismo es violencia”(esse sim parece um dos poucos que sem dúvida dizem a verdade).

Mas logo começaram os conflitos. Correa resolveu implementar leis nas universidades que ameaçam a sua autonomia e que dissolve de certa forma o poder dos professores, que organizados na UNE (União Nacional de Educadores) e muitos deles ligados ao Movimento Popular Democrático (MPD – partido político de esquerda), sentiram-se ameaçados.

Sede do MPD - Quito

Insultos entre Correa e o movimento ecologista e o movimento indígena, principalmente a Confederação de Nacionalidade Indígenas do Equador (CONAIE - uma das principais organizações responsáveis pela deposição dos presidentes), começaram a ser frequentes e muito bem aproveitados pelos grandes meios de comunicação que tem grande parte da sua programação destinada a fofocar e difamar políticos, da mesma forma que se faz com artistas no Brasil. De personalidade forte, espontâneo e sempre de cabeça quente, Rafael Correa começou a agredir publicamente esses movimentos e chama-los de “infantis” (expressão muito mal usada para qualquer tipo de crítica a meu ver) por conta de seus protestos contra construções que agrediam ao meio-ambiente. E esses movimentos não tardaram a responder, chamando-o de arrogante.

Manifestação da CONAIE - Quito

Sinais de contradição começaram a ser demonstrados pelo governo. Projetos de lei que iam de contra à nova constituição começaram a aparecer. Dentre eles o tão polêmico projeto da lei de águas, que depois de grande mobilização e frequentes manifestações, foi abandonado pelo governo.

Greve de fome de uma cooperativa de moradia - Praça Bolívar/Quito

Os movimentos sociais argumentavam que a lei legitimava a privatização da água que já existe hoje no país, uma vez que a Coca-Cola, só para citar um exemplo, lucra cerca de 300 milhões de dólares por ano só pelo seu engarrafamento. Porém, a reforma vinha por parte do governo numa tentativa também de tirar o controle sobre a água de algumas organizações, que segundo se diz, só disponibilizam água para a casa das famílias que participam das manifestações organizadas por elas, e argumentava-se que a lei não pretendia privatizar a água (para quem tiver interesse, recomendo que pesquise sobre a lei de águas que é bem complexa e polêmica).

Parece que ao invés de dialogar, respeitar a autonomia e distribuir poder aos movimentos sociais, o governo pretende dissolve-los e concentrar as lutas e as mudanças no Estado.

Por isso também, nem todos os movimentos sociais romperam com o governo. Muitas organizações ainda estão ligadas ao governo e disputando-o, como por exemplo algumas as organizações camponesas. No Equador os movimentos sociais vivem a contradição de reivindicar e tentar ser governo ao mesmo tempo, processo que parece comum e necessário para os movimentos sociais que pretendem mais do que os seus objetivos específicos, ou seja, pretendem mudanças estruturais na sociedade.

Hoje, o governo assume um projeto que se chama de “Buen Vivir”, de cunho participativo, nacionalista e desenvolvimentista e que pretende contrapor-se ao projeto de “Bem-estar” do século passado que está relacionado ao consumismo e no individualismo como forma de se viver feliz. Baseado no que se chama de “Socialismo do Século XXI”, o projeto de Buen Vivir fala de cidadania, mas não de trabalhadores; fala de propriedade nacional, mas não de propriedade privada; fala de respeito ao meio ambiente e consulta popular, mas ao mesmo tempo de grandes obras e infraestrutura.

Apesar de todas as contradições que existe no governo, é quase consenso que os seis anos de Governo Correa têm sido um dos melhores governos dos últimos anos por ser nacionalista e por ter implementado politicas sociais significativas (“quase” porque obviamente muitos empresários e políticos corruptos estão descontentes), semelhantes ao “bolsa-família” no Brasil. Mas também é consenso que não se pode deixar que o sorriso acabe se tornando lágrimas.

domingo, 4 de julho de 2010

Ao camarada Andrej

Caro Andrej,

resolvi escrever essa carta por conta das nossas conversas nos corredores do Instituto de Economia da Unicamp sobre Cuba em que muitas das perguntas ficaram sem respostas e porque me lembro de combinarmos que o primeiro a ir para lá deveria respondê-las.

Escrevo mais de quatro meses depois de ter passado por Cuba não por acaso...

Sempre está na moda nos grandes meios de comunicação procurar defeitos ou problemas na ilha e por isso começarei pelo que está desfilando nas passarelas nesse momento que é dizer que os membro do Partico Comunista Cubano (PCC) possuem "privilégios", ou que estaria se formando uma "casta política" entre os deputados (coisas repetidas inclusive pela esquerda por ai...).

Bom, é no mínimo estranho pensar que está se formando essa casta política entre os deputados, sendo que estes se quer recebem um salário pelo seu trabalho como deputado. Aliás, ser deputado não é considerado um trabalho, se não uma tarefa revolucionária, e portanto, uma tarefa que exige um certo sacrifício. Além disso, tal afirmação me parece ainda mais estranha, sendo que Cuba tem o modelo se eleição mais democrático que eu já conheci. Outro dia ouvi dizer que é semelhante ao modelo da Suiça ou da Suécia (não me lembro exatamente qual dos dois). O problema é que eu preciso juntar muitos mais dólares para conhecer esse modelo do que para conhecer o de Cuba.

Dizer sobre esses privilégios dos militantes me parece ainda mais absurdo. Para começar, os militantes do PCC, que hoje são cerca de 800.000 em um país de 11.000.000 de habitantes (talvez a maior proporção de militantes/habitante do mundo, se desconsiderarmos o PSUV da Venezuela que possui 7.000.000, mas que nem todos são militantes de verdade), são indicados pela própria população por serem um exemplo na sua comunidade, na escola, no trabalho, na família, etc.

Dizer que é um privilégio que as pessoas que se destacam em sua profissão possam ir a congressos internacionais financiadas pelo Estado em um país em que individualmente quase ninguem tem condição de viajar para fora do país também me parece pura hipocrisia de indinheirados. Privilégio para mim é alguem viajar porque tem dinheiro e não porque é uma referência em sua profissão.

Cuba ainda é um país meritocrático, diferente dos países capitalistas, salvo raríssimas excepções. Todos possuem acesso à educação, da creche à universidade. E a questão aqui não é só de acesso, se não de uma metodologia não individualista e de classe. Em Cuba mais do que ensinar, se educa.

Um dia eu joguei xadrez com uma menina de sete ou oito anos e quase perdi. Talvez eu tenha ganhado porque minha capacidade de concentração ainda seja um pouco melhor que a dela.

Como já é sabido, mas não divulgado, além do acesso e da qualidade do ensino, tod@s têm acesso a um dos melhores serviços de saúde do mundo, que está baseado na prevenção e não simplismente em medicação. Remédios e a cesta básica da alimentação não tem nunhum custo. O aborto é legalizado e acompanhado por um@ médic@. Cuba "exporta" médicos para os países que necessitam.

Lá a produção de leite é baixa e o governo está tentando incentivá-la. Por isso, iogurte e leite são prioritariamente destinados às crianças e não para quem tem dinheiro independentemente da sua necessidade.

Imagine uma sociedade em que as riquezas produzidas são destinadas à saúde, alimentação e educação principalmente: Cuba!

Comumente se diz que o Fidel Castro também possui privilégios, que possui muito dinheiro e que anda de Mercedes blindado. Para mim parece até piada afirmar que uma pessoa que em 1957 saiu do México em uma balsa com apenas mais 80 pessoas até Cuba para derrubar uma ditadura e porque tinha um projeto de uma nova sociedade igualitária e justa, tenha feito tudo isso para poder, aos 80 e tantos anos, ter mais dinheiro que os outros e andar de Mercedes blindado. Aliás, quanto ao Mercedes blindado, talvez as dezenas de tentativas de assassinatos a ele expliquem isso. E diga-se de passagem, fabricar um "Fidelmóvel", como o Papa tem o seu "papamóvel" seria um tanto quanto ridículo.

Outra coisa que está sempre na moda é dizer que em Cuba não há liberdade de expressão e que há censura.

É verdade, há censura. Censura do lixo que somos obrigados a escutar, ler e ver todos os dias. Acredito que ninguem ache correto que dez horas da manhã, quando normalmente uma criança está assistindo TV, passem propagandas com mulheres nuas ou semi-nuas rebolando e dizendo que as crianças só podem ser feliz se comprarem todos os brinquedos que estão sendo anunciados durante o intervalo do desenho animado. Em Cuba eles, infelizmente, assistem e adoram as novelas brasileiras. Na TV cubana passa o Brasileirão.

Em Cuba não há acesso a informação? Então como nas escolas eles aprendem a história quase do mundo todo e de todos dos movimentos sociais? A maioria deles sabe mais de história do Brasil do que a maioria dos brasileiros. Como eles sabem tanto de política nacional e internacional?

Enfim, o socialismo funciona, e funciona muito bem! Confesso que foi um alívio descobrir isso. Imagina ter que viver sabendo que isso que vivemos é o fim da história e que não pode ser mudado... O Florestan já dizia na década de 1980 que o mérito da Revolução Cubana estava sendo de construir o socialismo e o comunismo ao mesmo tempo. Em outras palavras, acabando com a propriedade privada e ao mesmo tempo construindo o "novo homem". Isso me dá ainda mais confiança hoje para afirmar que aquilo que os clássicos chamavam de "natureza humana" não existe. Claro que não se pode afirmar que o Che Guevara ou que os cubanos são os novos homens e mulheres, já que Cuba não está isolada do mundo e nem totalmente livre dos "vícios históricos" anteriores à revolução. Mas com certeza estão muitos mais à frente de todo o mundo.

Agora o desafio está posto para nós e tudo vai depender de que modo iremos construir a história e de que modo a história irá nos construir.

Enfim... O que me resta é te desejar uma boa viagem! Vá a Cuba e converse com o máximo de cuban@s que conseguir. Não cometa o erro de alguns de conversar com um@ cubano, seja em Cuba ou no exterior, que não suporta a idéia de dividir, e sair reproduzindo uma midéia que não representa nem 1% da população cubana.

Vá a Cuba e não converse somente sobre política. Fale sobre história, esporte, artes plásticas, teatro, cinema, música clássica, filosofia, pscicologia, Foulcault, o que seja. Converse com adultos, crianças, professores, estudantes, taxistas, policial, farmaceutico, médico, vendedor de sorvete, com tod@s.

Hoje eu me tornei, assim como Frei Betto e Florestan Fernandes, dentre tantos outros, um amante de Cuba. Mas não só por ter ido até a ilha conhecer a Revolução e @s cuban@s, mas principalmente por já ter passado por Venezuela, Colômbia e Equador, e por conhecer já a algum tempo o Brasil e saber a que ponto chegou o "desenvolvimento" capitalista nos países subdesenvolvidos e dependentes.

Um grande abraço,


Theo

Loja, 04 de julho de 2010