"A cabeça pensa onde os pés pisam" Paulo Freire

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Equador: a terra dos sorrisos

A chegada

Logo quando chegamos ao Equador nos surpreendemos com a tamanha preocupação das pessoas em nos ajudar. Da mulher que nos perguntou para onde queríamos ir sem mesmo perguntarmos e que nos ofereceu morangos, até a mulher que nos emprestou o celular para ligarmos ao amigo do meu irmão que nos receberia.

Mais do que surpreendido com a ótima recepção, nos surpreendeu o fato de todos os equatorianos parecerem estar sempre sorrindo. Seria porque não têm problemas? Ou seria porque estão finalmente conseguindo resolver seus problemas? Era isso que queríamos descobrir já antes de cruzar a fronteira.

A história do Equador era um mistério para nós. Por falta de estudos é claro. Mas tínhamos impressões do que seria o Equador, principalmente por ter lido e ouvido falar de Rafael Correa, já no Brasil, mas principalmente na Venezuela pela TeleSur.

Queríamos entender o que se passava nesse pequeno país, mas é claro que para conseguir compreender toda complexidade do que se passa no Equador hoje seria necessário conhecer a sua historia com profundidade, já que entender um pouco dos 10 anos de século XXI já foi um tanto quanto complicado. Mas acredito ter sido possível durante esses 40 dias ter pelo menos uma impressão da correlação de forças e das forças políticas em um contexto nacional.

Daniel estudando

Assim como todos os países do nosso sul-continente, o Equador passou por um período turbulento de reformas neoliberais. Em seu caso, mais diretamente, foram vítimas da entrada de mineradoras e empresas de pescas transnacionais, além da invasão de redes de fast-food, como Mc Donald, Burger King, KFC, etc., também comum em todos os grandes centros urbanos dos países que sofreram esse processo de abertura para o capital estrangeiro. A entrega foi tão grande que os governos não foram capazes de controlar o processo inflacionário até que em 2000 se apelou para a dolarização.

Porém, essas reformas não foram nem um pouco bem aceitas pelos trabalhadores, que com muita luta e pouca violência derrubaram cerca de 4 presidentes, além de forçar a saída de outros, em menos de 20 anos, insatisfeitos também com toda a corrupção com que se coordenou essas reformas. Lucio Gutierrez, o último deles, derrubado em 20 de abril de 2005, representou a gota d’água da mesmice.

Assembléia Nacional - Quito

A onda de insatisfação com os políticos tradicionais se tornava cada vez maior. Mas dentro de toda essa confusão, surgia um jovem economista e professor universitário na cena e que não tinha uma carreira política, mas que havia sido Ministro da Economia e obtido muito sucesso com sua equipe na investigação das origens da dívida externa equatoriana, concluindo que ela já havia sido paga e, portanto, estavam pagando mais do que deveriam (não pensem que podemos fazer o mesmo no Brasil, já que o nosso governo transformou nossa dívida externa em dívida interna, tornando uma investigação com final feliz para nós muito pouco provável).

Representando algo diferente da velha classe política corrupta, o jovem economista, muito simpático, sorridente e extrovertido, e com um projeto de transformação radical, Rafael Correa Delgado conseguiu o apoio de quase todos os setores populares e organizações de esquerda e chegou ao poder em 2007.

Mudanças começaram a se desenhar. Uma nova constituição que defendia o direito dos trabalhadores, o respeito à água e a natureza, o respeito às diferentes culturas e nacionalidades no Equador, etc., foi criada já em 2008, depois da Assembleia Constituinte no final de 2007. Empresas que desrespeitavam as leis eram punidas. Corruptos que antes viviam impunes foram presos. O Equador se tornou membro da ALBA. Hospitais e escolas foram construídos.

Baseado na teoria do “Socialismo do Século XXI”, logo se chamou todo esse processo de Revolução Cidadã. Slogans do governo repetiam constantemente que “la revolución ciudadana ya esta en marcha”, “la pátria ya es de todos” e que “machismo es violencia”(esse sim parece um dos poucos que sem dúvida dizem a verdade).

Mas logo começaram os conflitos. Correa resolveu implementar leis nas universidades que ameaçam a sua autonomia e que dissolve de certa forma o poder dos professores, que organizados na UNE (União Nacional de Educadores) e muitos deles ligados ao Movimento Popular Democrático (MPD – partido político de esquerda), sentiram-se ameaçados.

Sede do MPD - Quito

Insultos entre Correa e o movimento ecologista e o movimento indígena, principalmente a Confederação de Nacionalidade Indígenas do Equador (CONAIE - uma das principais organizações responsáveis pela deposição dos presidentes), começaram a ser frequentes e muito bem aproveitados pelos grandes meios de comunicação que tem grande parte da sua programação destinada a fofocar e difamar políticos, da mesma forma que se faz com artistas no Brasil. De personalidade forte, espontâneo e sempre de cabeça quente, Rafael Correa começou a agredir publicamente esses movimentos e chama-los de “infantis” (expressão muito mal usada para qualquer tipo de crítica a meu ver) por conta de seus protestos contra construções que agrediam ao meio-ambiente. E esses movimentos não tardaram a responder, chamando-o de arrogante.

Manifestação da CONAIE - Quito

Sinais de contradição começaram a ser demonstrados pelo governo. Projetos de lei que iam de contra à nova constituição começaram a aparecer. Dentre eles o tão polêmico projeto da lei de águas, que depois de grande mobilização e frequentes manifestações, foi abandonado pelo governo.

Greve de fome de uma cooperativa de moradia - Praça Bolívar/Quito

Os movimentos sociais argumentavam que a lei legitimava a privatização da água que já existe hoje no país, uma vez que a Coca-Cola, só para citar um exemplo, lucra cerca de 300 milhões de dólares por ano só pelo seu engarrafamento. Porém, a reforma vinha por parte do governo numa tentativa também de tirar o controle sobre a água de algumas organizações, que segundo se diz, só disponibilizam água para a casa das famílias que participam das manifestações organizadas por elas, e argumentava-se que a lei não pretendia privatizar a água (para quem tiver interesse, recomendo que pesquise sobre a lei de águas que é bem complexa e polêmica).

Parece que ao invés de dialogar, respeitar a autonomia e distribuir poder aos movimentos sociais, o governo pretende dissolve-los e concentrar as lutas e as mudanças no Estado.

Por isso também, nem todos os movimentos sociais romperam com o governo. Muitas organizações ainda estão ligadas ao governo e disputando-o, como por exemplo algumas as organizações camponesas. No Equador os movimentos sociais vivem a contradição de reivindicar e tentar ser governo ao mesmo tempo, processo que parece comum e necessário para os movimentos sociais que pretendem mais do que os seus objetivos específicos, ou seja, pretendem mudanças estruturais na sociedade.

Hoje, o governo assume um projeto que se chama de “Buen Vivir”, de cunho participativo, nacionalista e desenvolvimentista e que pretende contrapor-se ao projeto de “Bem-estar” do século passado que está relacionado ao consumismo e no individualismo como forma de se viver feliz. Baseado no que se chama de “Socialismo do Século XXI”, o projeto de Buen Vivir fala de cidadania, mas não de trabalhadores; fala de propriedade nacional, mas não de propriedade privada; fala de respeito ao meio ambiente e consulta popular, mas ao mesmo tempo de grandes obras e infraestrutura.

Apesar de todas as contradições que existe no governo, é quase consenso que os seis anos de Governo Correa têm sido um dos melhores governos dos últimos anos por ser nacionalista e por ter implementado politicas sociais significativas (“quase” porque obviamente muitos empresários e políticos corruptos estão descontentes), semelhantes ao “bolsa-família” no Brasil. Mas também é consenso que não se pode deixar que o sorriso acabe se tornando lágrimas.

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