"A cabeça pensa onde os pés pisam" Paulo Freire

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Monte às avessas - Cerro de Pasco

No dia 29 de julho decidimos encarar a dor de cabeça e o frio, causados pelos mais de 4300 metros de altitude e pela sensação térmica de -10ºC, para conhecer Cerro de Pasco e o desenvolvimento da extração de minérios na região. Cerro de Pasco é a capital da província de Pasco, cerca de sete horas de viagem ao norte de Lima, e que apesar de possuir somente cerca de 78 mil habitantes, possui a desagradável presença de oito grandes empresas estrangeiras ligadas à extração e à manipulação de minérios.


Ao chegarmos em Cerro de Pasco fomos recebidos por Victor Parodi Bojar da Federação Regional de Comunidades Camponesas e Nativas de Pasco (FERECCNPA), contato que fizemos em Lima na Coordenadora Nacional de Comunidades do Peru Afetadas pela Mineração (CONACAMI).


Victor nos levou para conhecer o "buraco" Tajo Raúl Rojas que existe no centro da cidade, fruto de mais de um século de extração de minérios na região. Enquanto se cavava, a terra e as pedras que não possuíam minérios eram levadas para as partes mais baixas da cidade. O que era serra virou um buraco, e o que era pampa, virou serra.



O "buraco" já possui cerca de 1km de profundidade, mas a ideia da transnacional responsável não é parar por ai. Quase todas as casas e propriedades a sua volta já foram compradas pela empresa para expandir a exploração. Nem todas foram vendidas porque algumas pessoas resistem, como o caso do senhor Marcelo Rosas Sanchez, de mais de 60 anos e que vive na cidade desde pequeno. Victor nos apresentou ao seu Marcelo e ele nos acompanhou no "tour" pelo "buraco".

Da esquerda à direita: Victor, Marcelo e Daniel

Seu Marcelo é um senhor simples e falador. Nos contou um pouco da história do Perú e da exploração de minérios na região de Pasco desde a colônia. Enquanto nos mostrava as consequências da mineração, nos contou um pouco da sua vida e do filho que estudou medicina em Cuba e que hoje está no Haiti.


Enquanto dávamos a volta no "buraco", seu Marcelo foi nos contanto também os motivos pelos quais ainda permanece em sua casa, cerca de 20 metros da propriedade da transnacional.


O principal motivo pelo qual resiste, segundo ele, é por ser patriota e contrário a que uma transnacional explore o território peruano, levando riqueza e deixando miséria e poluição. Por algumas vezes ele nos repetiu que não suportava Fujimori (hoje preso pelos anos de assassinatos da sua ditadura nos anos 1990 e que implementou as reformas neoliberais no país), entre tantas outras coisas, por este ter cedido território peruano ao Chile e por ter vendido empresas peruanas a empresários estrangeiros.

Porém, nem todos os vizinhos do seu Marcelo pensam como ele. Isolado em sua resistência e agora também das outras pessoas da cidade, já que não possui mais vizinhos nem comércio a sua volta, seu Marcelo vê-se obrigado a deixar a sua casa. No entanto, deixar a sua casa não é uma atitude tão simples como parece. Isso porque ele alega que o valor que a empresa quer pagar pelo seu terreno é inferior ao que ele necessitaria para comprar uma casa igual em uma região mais ao centro da cidade ou afastada do "buraco".


Casas desabrigadas vendidas à mineradora

Porém, a expulsão, forçada ou não, dos moradores do centro de Cerro de Pasco, ainda que um grave problema não é o maior. O maior problema hoje é a contaminação das terras e dos rios com metais pesados, que afeta toda a população, principalmente os camponeses criadores de animais, que vivem ao redor da cidade.



Victor nos levou então para uma região mais afastada do centro de Cerro de Pasco, onde são visíveis os problemas ambientais causados pela mineradora. Somente pela cor da água, contaminada com cobre, pode-se ver a diferença.



Segundo o Boletim da FERECCNPA nº1: "A problemática socioambiental em Pasco é preocupante. Uma vez por semana a população tem acesso a água (somente por uma hora), em muitos setores a água não é tratada, tem coliformes fecais (informes de Diresa Pasco) e se consome água com metais pesados. Em nossa cidade as crianças estão contaminada com chumbo; segundo estudos da Censopas em Quiulacocha e Champamarca existem mais de 236 crianças intoxicadas. Diresa recomenda que as zonas indicadas devem ser desabitadas por causa da alta porcentagem de substâncias mineralizadas, assim como o nosso distrito de Chaupimarca que diariamente convive com a expansão do Tajo Raúl Rojas".


A cada passo a mais que damos em nosso continente, nos surpreende cada vez menos pelo fato de que cidades e países com tanta riqueza estejam tão destruídos e sejam tão pobres. Quanto mais conhecemos os nossos irmãos vizinhos, mais eles se parecem semelhantes e mais vemos que ainda existem muitas veias abertas por nossa América Latina.


* Agradecimentos especiais a Victor e seu Marcelo por dedicarem sua sexta-feira de feriado para nos mostrar a cidade e aos pais do Daniel, Roseli e Geraldo, por deixarem a camêra fotográfica e o notebook, depois de uma visita em Lima.

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